segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Alento gastronômico e de civilidade



Artigo publicado na edição do dia 22.12 do jornal O POVO 

Apesar da presença cada vez maior - e embrutecedora - de grandes empreendimentos verticais do mercado imobiliário, ainda há beleza e delicadeza pulsando pelas ruas e praças do Bairro de Fátima. A Praça Argentina Castelo Branco, entre as ruas Dep. João Pontes e Dr. Costa Araújo, na altura da Conselheiro Tristão, é um desses redutos de resistência de gentileza urbana que vai disputando espaço com os imensos blocos de concreto. Foi olhando para a praça que, há cerca de três meses, se estabeleceu no bairro o restaurante Raízes. Um alento gastronômico e de civilidade.
Junto com a praça, o restaurante compõe um conjunto em que a leveza das brincadeiras das crianças e o vai e vem dos caminhantes, corredores e peladeiros de basquete dialogam de forma harmoniosa com o frisson dos comensais e boêmios acidentais. Uma pausa para o olhar e o sentir. Há, no casarão que abrigou o empreendimento, dois espaços: um fechado, ao ar condicionado; e outro aberto, espalhando suas mesas pelos corredores laterais e dividindo com a rua a brisa gostosa do bairro. A música é discreta e de boa qualidade.
No cardápio, me explica a garçonete de verve cortês, o forte é a comida regional. O repertório tradicional de nossa gastronomia, no entanto, ocupa apenas uma parte do cardápio. Mas está lá: panelada, buchada, peixe na telha, carneiro e quejandos. A maior parte das opções – sempre servidas em porções generosas - mistura referências locais a receitas universais, como o Bacalhau com broa de milho; a Maminha Arre Égua, acompanhada de farofa de cuscuz e batata doce; ou o agridoce Camarão Africano servido com açafrão e pêssego gratinado. O Camarão Jaguaruana, flambado no conhaque e arroz de castanha de caju, é o mais novo prato da casa.
O Raízes abre para o almoço e para o jantar. Se o caso é apenas petiscar, o Suvaco de Cobra, à base de carne do sol, é tiro certo. Há também um Pedacinho do Céu, nem tão interessante quanto a memória nos sugere do que era esse petisco no saudoso Cais Bar. Aos zitolibadores errantes, também vale o pit stop: a cerveja é impecável. Pelo menos foi assim, tal qual o atendimento, no dia da visita deste resenhista – que não se identificou como jornalista.
Na relação entre custo e benefício, vale cada casa decimal da conta. Na relação entre bairro e cidade, mais ainda. Porque empreendimentos do tipo podem impedir – ou retardar – que o bucólico e pacato Bairro de Fátima se transforme num novo Meireles, com seus prédios gigantescos e suas ruas mortas e insípidas.
 
Serviço
Restaurante Raízes
Onde: Rua Conselheiro Tristão, 1555, Fátima. 
Horário de funcionamento: de terça a domingo, de 11h a 0h.
Telefone: (85) 3055.6060. 
Não possui estacionamento próprio.
Cartões Visa e Mastercard.

O Barcelona e os colonizados



Artigo publicado no jornal O POVO na edição do dia 22.12.2011

O Barcelona é um time extraordinário? Sim! Dá gosto ver Messi e companhia em campo? Claro. O modelo do Barcelona deve servir ao futebol brasileiro? Alto lá. Devagar com o andor que há santos de barro (com trocadilho, por favor) nesse cortejo.
Muitos vaticinaram a impiedosa peia do time catalão sobre os santistas como o ocaso do futebol brasileiro. Um debate que me parece açodado.
Primeiro porque o Santos não é o melhor time brasileiro do momento (Neymar, sim, é nosso melhor jogador) e, nem de longe, representa uma escola brasileira (o estilo de Neymar sim). Os times de Muricy Ramalho, apesar dos títulos, costumam chatear os próprios torcedores por suas retrancas e sua pouca vibração tática.
Além disso, o estilo de jogo do Barcelona, dinâmico, com muitas variações de jogadas, pressão constante na marcação e muita rapidez no ataque – mas, registre-se, muito refém do talento de Messi - não é novo. E é muito brasileiro. Remonta, claro, à Holanda “mecânica” de 74. Mas também a times como o Flamengo de 1981, que tinha a liderança de Zico e uma extraordinária qualidade de passe. Ou a seleção de 70, em que, do meio pra frente, os jogadores também alternavam posições. Ou ainda às fanfarras de Didi, Vavá, Garrincha e Pelé.
Futebol pesado, duro, disciplinado, sempre foi uma marca europeia. Nós somos do improviso: da imprecisão, da dança e da beleza. No final dos anos 80, o Milan de Van Basten era o bicho papão e tornou célebre o esquema de jogo com o líbero. O Brasil passava por uma seca de títulos internacionais – inclusive, entre clubes – e o debate era semelhante. Precisávamos jogar como o Milan, seguir aquele modelo tático, etc, etc. Lazaroni, então técnico da seleção brasileira, foi na onda de copiar o modelo milanês. Deu no que deu.
Portanto, saudemos o Barcelona e seu belo futebol. Mas deixemos de lado esse pensamento colonizado. Aliás, por falar em colonizado, não era à toa que os portugueses conquistavam nossos índios oferecendo espelhos. Não deixa de ser uma alegoria oportuna.