sexta-feira, 15 de maio de 2009

Partitura do dia

"A música de elevador talvez seja, de todos os gêneros musicais, o mais inusitado, porque é uma música pensada para não ser ouvida. Quanto menos notada, mais ela realiza a sua vocação. Em geral, para se fazer uma música de elevador, uma composição famosa é rearranjada (ou desarranjada, se preferir) para que seja reconhecida, mas não notada. Ela é fruto de uma mente engenhosa que achou que seria um pesadelo você ficar subindo ao seu andar ou enchendo o carrinho do supermercado tendo que ouvir os ruídos do ambiente. Então, neste momento, para preencher esse silêncio terrível, começa a soar Eine Kleine Nachtmusik, versão tecladinho passado no liquidificador".

Vitor Knijnik, na seção Blogs do Além, revista Carta Capital.

O ociólogo doido


Edição recente da revista Critica y Emancipacion, do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso), traz artigo do guatemalteco Edelberto Torres-Rivas, de 72 anos, que conta que Fernando Henrique Cardoso tentou tirar o nome do chileno Enzo Faletto da coautoria do livro Dependência e Desenvolvimento na América Latina, que lhe garantiu (a FHC) o título de "príncipe da sociologia" e fama internacional. Segundo o texto de Torres-Rivas, nosso ex-presidente fez uma primeira versão do trabalho como único autor da obra e só mudou de idéia ao ser pressionado pelos pares chilenos que frequentavam os convescotes acadêmicos em sua casa no Chile.
Nada que cause espanto em se tratando de um vendilhão da pátria como FHC. Enzo, aliás, em suas memórias, conta uma outra história deliciosa, resgatada por Maurício Dias em sua coluna na Carta Capital. Trata-se de um diálogo muito sintomático das veleidades de Fernando Henrique. “Olha, eu troco, feliz, 300 comícios por cinco minutos de televisão. No Brasil, em cinco minutos, eu chego a 60 milhões, 70 milhões de pessoas. Com 300 comícios não chego nem a 250 mil e essa é uma diferença enorme”, disse FHC a seu parceiro chileno. Ao que Faletto respondeu: “Mas com comícios de praça você transmite ideias e com cinco minutos na televisão não transmite nada”.
Lembrei-me de um ótimo artigo de Millôr Fernando sobre o livro dos dois (ou só de FHC, como queira o tucano), chamada O tesão (grande tese) do ociólogo doido.

Viva o discão!


Já há algum tempo o álbum não é mais a unidade-padrão do comércio fonográfico. O suporte digital reformulou o conceito de disco e são cada vez menos as pessoas que ainda compram suas bolachinhas por aí. Eu, admito, ainda estou entre elas, me sinto meio estrangeiro numa terra de downloads e quejandos. Mas, no geral, a parte (as faixas) vem suplantando o todo (o disco), metonímia que transformou radicalmente as discotecas, que vão se desestruturando e deixando as estantes para migrar para PCs e IPods. Sinal de uma época fragmentada e vertiginosa.
Alguns discos, no entanto, ainda me parecem justificar o formato e superam essa discussão imediatista sobre os rumos da música. Ou melhor, os rumos do mercado fonográfico. Se o disco morreu, esses álbuns seguem bradando: viva o discão! Caetano Veloso e seu ótimo Zii e Ziê (que reposiciona o baiano no centro das discussões sobre tradição e contemporaneidade na MPB); Guinga e Paulo Sérgio Santos (respectivamente, o compositor mais original em atividade no País e um dos maiores clarinetistas do mundo) e o virtuoso Saudades do Cordão; Ana Costa e seu Novos Alvos (um dos melhores discos de samba do ano); e Nelson Freire e o colossal tributo a Debussy são exemplos recentes desses artistas (com seus respectivos álbuns) que, mesmo em gêneros distintos, têm feito a experiência de audição de todo um CD valer a pena.
São trabalhos orgânicos, inteiros, coesos, que escrevem um texto que só pode ser lido a contento do início ao fim. A parte aqui não explica o todo. Fragmentados numa discoteca virtual faixa a faixa, esses discos perderiam muito de sua riqueza.
Viva o discão!


sexta-feira, 8 de maio de 2009

Alô do dia










"na estrênua brevidade / Vida:/ realejos e abril /
treva, amigos

eu me lanço rindo. / Nas tintas fio-de-cabelo /da aurora amarela, /
no ocaso colorido de mulheres

eu sorrisando / deslizo. Eu / na grande viagem escarlate
nado, dizendomente;

(Você sabe?) o / sim, mundo é provavelmente feito
de rosas & alô:

(de atélogos e, cinzas)"

Poema sem título de e.e. cummings com tradução de Augusto de Campos

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Diversidade e resistência


Danilo Miranda (foto acima), diretor regional do SESC de São Paulo e integrante do Conselho Editorial do Le Monde Diplomatique Brasil, é um dos principais pensadores e articuladores de políticas de inclusão social através da cultura. Em seu currículo, está o trabalho louvável que tornou o SESC um dos principais selos de pesquisa e divulgação na área cultural. "O Brasil pode orgulhar-se, graças ao SESC, de estar na vanguarda da cultura de nossa época", foi o elogio que lhe dirigiu ninguém menos que Edgar Morin. Danilo esteve em Fortaleza no último mês de abril, quando o Talabarte conseguiu uma pequena exclusiva com ele.

Talabarte - O Governo Federal, através do Ministério da Cultura, tem se colocado no centro de uma polêmica envolvendo as mudanças na Lei Rouanet. Não raro, é possível ler depoimentos de produtores culturais – principalmente de estados mais ricos, como Rio de Janeiro e São Paulo - denunciando “dirigismo” e “autoritarismo” nas propostas do ministro Juca Ferreira. Como o senhor observa essa discussão?
Miranda - As mudanças na Lei Rouanet eram mais do que necessárias. Certos mecanismos acabaram criando privilégios e reduzido poder de contrapartida social. Assim, acredito que buscando atender mais e com outra qualidade, acaba-se por desagradar alguns envolvidos. Quanto às propostas do Ministro, as vejo com bons olhos, inclusive por dar continuidade à gestão anterior e desconheço o descontentamento apontado.

Talabarte - No ano passado, o Ministério da Educação apresentou uma proposta que tirava 33% das verbas do SESC e repassava esse valor para um fundo de capacitação profissional a ser administrado pelo Governo Federal. Como o senhor vem acompanhando a tramitação dessa proposta?
Miranda - O acordo firmado entre o SESC e os Ministérios da Educação e do trabalho prevê um percentual de ações educativas gratuitas oferecidas aos jovens estudantes, como complemento às estratégias adotadas nesse esforço de profissionalização do Governo Federal. Como o SESC já desenvolve ações educativas voltada aos jovens estudantes, nosso empenho será primordialmente no sentido de cumprir, sempre a mais, o percentual definido, bem como tornar mais evidentes e comprovar a gratuidade e o atendimento ao público específico.

Talabarte - Como Brasil vem equilibrando ao longo dos últimos anos as noções de cultura científica e de cultura humanista em suas ações oficiais no campo da educação?
Miranda - As últimas análises da educação formal decorrente do ensino público no Brasil indicam resultados muito insatisfatórios. Os aspectos do equilíbrio entre cientificismo e humanismo, nesse sentido, não constituem o problema, que tem natureza anterior . É preciso assegurar mais qualidade ao ensino fundamental e outros mecanismos educativos para poder promover melhor a cultura tanto científica, quanto humanista.

Talabarte - Que particularidades o estímulo à arte e à cultura assume num País ainda repleto de desigualdades como o Brasil?
Miranda - O Brasil é um país de singularidades. A redução das desigualdades sociais permitiria o acesso de maiores contingentes da população aos diferentes conteúdos e expressões culturais e artísticas. De todo modo, não podemos esquecer que com todas as dificuldades, o Brasil e os brasileiros têm comprovado talento, criatividade e disposição para reinventar a vida e o cotidiano por meio das artes e da cultura, seja no centro, na periferia, com diferentes linguagens. Assim, o estímulo à arte e à cultura tem e sempre terá importância entre nós.

Talabarte - Quais as principais semelhanças e diferenças existentes entre as ações do SESC desenvolvidas nos diversos estados da Federação?
Miranda - Embora exista autonomia nos diferentes Regionais SESC, no Brasil temos programas e metas comuns. Educação, saúde e cultura são programas levados a termo por quase todos os Regionais, variando a proporcionalidade do número de unidades, os serviços e atividades voltadas ao público.

Talabarte - O “lazer educativo” tem sido a ferramenta utilizada pelo Sesc para promover a inclusão social. Nesse sentido, que atores sociais e que ações vem contribuindo para que o tempo de lazer seja um “espaço privilegiado de educação para a cidadania, para a sociabilidade, para a tolerância”, utilizando palavras suas em carta a Edgar Morin?
Miranda - As ações educativas ofertadas durante o lazer do trabalhador constituem uma estratégia nada recente na atuação do SESC-SP. Desde o final da década de 1970, temos empregado um conjunto de atividades, que tem sido aprimorado, pela experiência, em favor do público. Espetáculos, oficinas, aulas abertas, trabalhos com grupos, serviços de atendimento em odontologia, refeição social e atividades físicas são algumas de nossas ações voltadas às práticas de cidadania.

Talabarte - O Brasil tem conseguido transformar a diversidade e a pujança de sua cultura (ou de suas culturas) em instrumento de resistência cidadã, política, cultural, etc?
Miranda - Sim. O Brasil e muitos segmentos de brasileiros fizeram das culturas, formas de resistência social e política. Veja na música, nos jogos, na religiosidade, no artesanato, na literatura popular, quantas expressões de resistência e dignidade puderam ser criadas, não é?